Muitos de nós temos feito esta e outras perguntas nesse momento incerto da nossa história. O mundo foi posto em ritmo de espera e nós, seres humanos, acostumados a sermos protagonistas de todas as ações, observamos incrédulos a realidade se transformar do dia para noite a nossa revelia.
Contudo, todo momento de crise oferece também oportunidades. A quietude forçada induz à reflexão, à observação, e através delas descobrimos coisas importantes.. Passamos a questionar mais, a duvidar mais, a querer um futuro melhor para nós e para o mundo. Adquirimos a consciência de que tudo e todos se entrelaçam, se integram, que a solução para uma vida melhor passa, necessariamente, por uma visão abrangente e inclusiva, da saúde a arquitetura, do indivíduo a sociedade.
É neste contexto que empresas estão revendo seus espaços de trabalho. Diante de uma demanda real imposta pela necessidade de se cumprir as medidas de prevenção ao coronavírus, alia-se também a compreensão de que o ambiente de trabalho pode e deve oferecer condições que promovam o bem estar de seus funcionários. A oportunidade aí se oferece pela mudança de conceitos e valores, onde o foco não é apenas o produto ou a produtividade, mas também a qualidade do ser humano que os produz.
Várias idéias estão sendo discutidas de como se transformar os atuais ambientes de trabalho em espaços mais seguros e coerentes, de acordo com os parâmetros pós pandemia. Empresas e arquitetos em todo o país, e ao redor do mundo, apresentam suas contribuições para a solução de problemas que irão modificar a face dos escritórios como um dia os conhecemos.
O uso de tecnologia, crucial neste momento de isolamento, mais uma vez irá se firmar como elemento chave e onipresente do futuro. Sensores em portas, iluminação e equipamentos os mais variados, irão substituir a necessidade do uso das mãos. A inclusão de estações de higienização na recepção das empresas, a redução, em talvez até cinquenta por cento na ocupação de mesas e salas de reuniões, considerando que o sistema de home office deverá ser incorporado de maneira mais definitiva por muitas empresas após o fim da crise.
Mudanças de caráter operacional também estão sendo consideradas: o rodízio de pessoal, a flexibilização de horários, a substituição de computadores de mesa por laptops, o aprimoramento das tecnologias de comunicação e colaboração a distância, que irão facilitar vídeo conferências e a troca virtual de informações. O uso de plataformas comuns através da nuvem, por exemplo, compartilhadas por empresas parceiras é uma das alternativas disponíveis de viabilização dessa troca.
Outra questão fundamental a ser considerada ainda é a ventilação nos edifícios. Temos uma herança na arquitetura brasileira e mundial, de uma era onde prédios comerciais foram projetados com janelas pensadas para nunca serem abertas. Muitos escritórios se encontram em ambientes totalmente fechados, onde a única alternativa de ventilação é através do uso de ar condicionado e exaustores mecânicos. Hoje, com a evolução alcançada na área de sustentabilidade, sabemos que esse tipo de sistema não apenas representa um enorme gasto desnecessário de energia, mas também é bastante prejudicial a nossa saúde.
É necessário que essas janelas sejam abertas, criando corredores de ventilação que facilitem a renovação do ar no interior dos ambientes. Podemos pensar também na criação de espaços externos onde possamos “respirar”. Pequenas varandas, terraços ou recuos na fachada que funcionem como áreas multi-uso de confraternização, descanso ou simplesmente um local para se tomar um café e rearrumar as idéias num dia difícil. Quem sabe talvez criar pulmões internos de ventilação ao redor de circulações verticais, integrando os diferentes níveis dos edifícios.
Essas idéias ou conceitos não são novos, vem sendo utilizados por arquitetos desde o principio das civilizações. O desafio hoje é adaptar conceitos estabelecidos a uma nova situação e em construções existentes. Existe um custo real, questões logísticas e reguladoras significativas, mas os resultados seriam certamente bastante positivos para a nossa saúde e bem estar.
A pandemia está sendo um catalizador de mudanças comportamentais que já vinham ocorrendo em muitas partes do mundo, porém em um ritmo mais lento. Questões como a flexibilização de horários e o trabalhar em casa eram vistas com reserva por parte de várias empresas, por razões logísticas ou tecnológicas. O impacto das restrições impostas pela propagação do vírus está forçando uma mudança de mentalidade e atitude, abrindo portas para a implementação de condições mais flexíveis de trabalho em um horizonte mais amplo.
O mundo mudou, e as pessoas mudaram com ele. O local de trabalho não pode ser um espaço rígido e imutável. Deve ser muito mais do que isto. É o lugar onde passamos a maior parte do nosso tempo de vida ativa, sendo um local de interação, de geração de idéias, de colaboração. Como tanto, deve sim oferecer condições para nosso desenvolvimento não apenas como profissionais mas também como seres humanos. O momento presente oferece uma oportunidade imensa para uma real mudança, não apenas do nosso ambiente físico, mas também na relação entre pessoas, empresas e qualidade de vida. Precisamos de maior equilíbrio e integração entre deveres, obrigações e direitos. O direito ao respeito a nossa condição humana de fragilidade e necessidade, ao entendimento mútuo de que navegar no mundo pós pandemia vai exigir de todos maior compreensão, paciência, criatividade e, acima de tudo, humanidade.